terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

terça-feira, 24 de novembro de 2015

The Face of Another - João Henriques

João Henriques - The Face of Another
Oficina da Cultura
13 a 29 de Novembro 2015
Inserido no Mês da Fotografia
ImaginArte Almada 2015




“A luta contra a ambivalência é, portanto, tanto autodestrutiva como autopropulsora”
Zygmunt Bauman, Modernidade e ambivalência,

Chegar à entrada de uma exposição de um artista emergente numa cidade periférica em relação a Lisboa e ver gente à porta. Fila para entrar. É sabido o empenho que os municípios da margem sul têm na promoção e divulgação da cultura, mas não deixa de ser surpreendente.
Aproximo-me um pouco mais e oiço música. Noto que vem, também, da exposição.
Lá dentro atua uma tuna universitária. Há uma plateia construída para a ocasião e há gente a ouvir. Gente de todas as idades. Gente sentada, gente de pé, tudo gente alegre e cerimoniosamente distante das imagens na parede.
Depois do concerto, o discurso do presidente da Câmara. É dia de inauguração da iluminação de Natal e o município escolheu aquele espaço para assinalar a efeméride.




Resolvo continuar a ver a exposição. O convite diz “…Neste trabalho de João Henriques, onde a realidade surge como um lugar complexo, mediado por sucessivos véus, em que se teoriza a máscara como espaço transitivo entre a realidade e a ficção, o indivíduo e a sociedade, o íntimo e o público, é também da assertiva e rigorosa construção da imagem enquanto cena que se trata.”




João Henriques começou a trabalhar sobre a relação entre máscara e identidade a partir de um conjunto de retratos de homens que se disfarçam de mulheres no carnaval de Torres Vedras, feito entre 2009 e 2012.
Esta exposição apresenta um conjunto desses retratos do carnaval de torres vedras, aos quais são acrescentados outros retratos e paisagens urbanas.




O que resulta é uma espécie de jogo entre identidade e alteridade. E se se tratasse apenas dos retratos, seria suficiente dizer isto. Trazer a relação do hábito e da necessidade de sair dele, de sair dos hábitos que nos definem os dias e procurar na alteridade uma fuga desse eu que os dias ao mesmo tempo  confirmam e desgastam. 
No entanto, a adição dos elementos de paisagem urbana traz a questão desta relação entre identidade e alteridade para um outro nível. Lembramo-nos que a fotografia nos aproximou de tal modo da imagem do que tínhamos por realidade, que acabou por no-la mostrar como ilusão ou como montagem e essa ideia da montagem faz-nos olhar novamente para os retratos.




Ao trazer a realidade para este jogo entre realidade e alteridade, a questão transforma-se e transporta-nos para um espaço onde nenhum deste elementos tem, necessariamente, aplicação. A conjugação destas imagens, retratos, retratos de máscaras e retratos de espaços de alteridade na paisagem, leva-nos, a pouco e pouco, a olhar a identidade da paisagem como uma construção; faz-nos ver o real como algo mais que se acrescentou, como mais uma máscara e, de repente, convida-nos a olhar as máscaras de outra forma: o que é que, em toda esta dança do ser e do parecer, é?




Entre os retratos do jogo identidade alteridade, as imagens da paisagem urbana contemporânea vão-nos deixando pistas para a ideia do jogo que se desenvolve entre os retratos. Vemos signos da construção e da propaganda e vemos essas caixinhas mágicas, essas caixinhas negras do processo de informação, tanto para a identidade, como para a alteridade. É neste jogo que o processo se desenvolve. Há como que um discurso, um ensaio, já não sobre a realidade nem sobre a identidade nem sobre a alteridade, mas sobre o jogo de processos que é tudo isto, assente numa contínua movimentação e transformação da informação que nos encontra nela, criando-a e sendo criados por ela.





Volto ao folheto, à saída da exposição: “à semelhança com a máscara, a imagem fotográfica é também ela uma aparência, um dispositivo que representa ambiguamente a realidade, que duplica o real e que o transfigura…”. Já na rua, noto uma dessas caixas negras, como na foto. Está junto a um muro com um mural representando os prédios da cidade e, de certo modo, confunde-se com estes.




Os azuis do céu no mural fazem-me olhar novamente para a imagem do convite, também ela com azul ao fundo, numa pintura de um cenário campestre: uma casa, também pintada num muro, e uma nuvem, azul, como nos desenhos das crianças. Ao lado há um pomar. A parte desse muro que não está pintada denota alguns sinais de abandono. Em frente, uma mulher está sentada com uma máscara de uma vaca, braços e pernas cruzados.
Sigo pela rua, divertido, prolongando esse jogo entre realidade e alteridade e aparência e identidade, e noto que o mesmo grupo se encontra na praça. 
As luzes de natal acendem-se e em todos paira esse bem estar dos dias de festa.







sexta-feira, 20 de novembro de 2015

PIN - João Mota da Costa

PIN - João Mota da Costa

PIN
João Mota da Costa
Atelier-museu António Duarte,
Centro de Artes das Caldas da Rainha
14.11.2015 a 07.01.2016




O Atelier Museu António Duarte fica no Centro de Artes das Caldas da Rainha, um conjunto de edifícios de museus, ateliês e residências envoltos por um jardim que alberga esculturas de maiores dimensões.
A identificação dos vários espaços não é fácil, o que torna difícil a chegada ao espaço escolhido. Uma vez lá dentro, dirigimo-nos à sala de exposições temporárias, para a exposição de João Mota da Costa (Lisboa, 1954), e para o seu trabalho PIN.
PIN é a sigla atribuída pelo Governo de Portugal aos projetos de Potencial Interesse Nacional.
É definida por este da seguinte forma:

São reconhecidos como PIN os projetos que, sendo suscetíveis de adequada sustentabilidade ambiental e territorial representem um investimento global superior a 25 milhões de euros.
O que se pretende é favorecer a concretização de diversos tipos de projetos de investimento promovendo a superação dos bloqueios administrativos e garantindo uma resposta célere, … … por via das alterações legislativas necessárias.
Em função da natureza ou localização de um projeto PIN, a comissão deve solicitar a participação nas suas reuniões de outras entidades, sem direito a voto.
(Concelho de Ministros n 95/2005 de 24 de Maio de 2005 – DR 100 – Série I-B)




    
O trabalho exposto é um levantamento do território atribuído pelo Governo de Portugal a um projeto classificado como de Potencial Interesse Nacional, para a construção de um Resort de Luxo junto à Lagoa de Óbidos, o Royal Óbidos. Leva-nos numa viagem temporal ao longo do processo de transformação da paisagem, desde o seu aspeto inicial, natural, ao resultado final da intervenção para a construção do resort.




Ao ver as imagens apresentadas sob este nome, percebemos a ironia de se atribuir interesse nacional à desolação que esta paisagem nos oferece.




As imagens mostram o revolver inútil de terras, transformando uma paisagem natural num espaço inominável. Um projeto que ficou a meio caminho e do qual restaram, no lugar da anterior paisagem natural, as infraestruturas para construções que não chegariam a ser feitas.



A formalidade com que João Mota da Costa aborda este trabalho permite-nos a distância e a escala para perceber o alcance da desolação. O tamanho das imagens não nos deixa fugir. As doze fotografias apresentadas sugerem um percurso, desde o início das obras até à fase em que estas pararam, dando uma ideia de percurso temporal ao longo da transformação da paisagem.



Um pouco à imagem de projetos anteriores, Mota da Costa procura mostrar o espaço após a intervenção humana, não no sentido do acabamento, da obra pronta a mostrar, mas no sentido de mostrar as marcas da intervenção depois de esta ser feita. As salas de operação imediatamente após estas serem efetuadas, Four out of Seven (2014), ou os quartos de motel depois dos encontros da hora de almoço, Lunch Time Affair (2012), são disso um bom exemplo. No caso de PIN, o trabalho ganha um novo contorno e um alcance mais marcadamente político, mostrando terras que foram antes a orla da lagoa e que, depois da intervenção, são pouco mais do que um cenário de destruição.




A associação deste nome, PIN, às imagens dos terrenos informes, das obras deixadas a meio por puro desinteresse, deixa no ar a questão sobre quais os interesses que este projeto defende e essoutra, tão premente, nos nossos dias, do que é a política: se é da defesa deste ou daquele partido ou desta ou daquela ideologia e seus interesses instalados da ambição e da especulação desmesuradas, ou se é o sentido mais nobre da ação que protege e fomenta os laços que ligam e protegem uma comunidade e o espaço que esta habita.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Bernd e Hilla Becher

Por  da morte de Hilla Becher, a revista Zum-1 publica esta entrevista com o casal, ainda antes da morte de Bernd Becher.
Está aqui http://revistazum.com.br/revista-zum-1/hilla-becher/ 

terça-feira, 23 de junho de 2015

Penso nos Cravos

Penso nos cravos.
Penso que são cravos,
Não sei bem se se pode chamar cravos depois de arrancados da raiz que os alimenta.
O que é um homem arrancado da raiz?
Penso se calhar são escravos, que metemos nas espingardas, ainda, em dias de multidões.
Somos sempre nós.
Nas espingardas, como na voz, sempre a cantar de cor, sempre a apontar fantasmas.
Penso que os cravos só não murcham na fotografia do anúncio da repetição.
E o que seria se os plantássemos?
O que seria se plantássemos os cravos na terra? Como seríamos, agora?
1%. O que seria a cultura se tivéssemos plantado os cravos?
Apenas um porcento, que fosse? Como estaríamos agora?
Como olharíamos uns para os outros?
Como saudaríamos o próximo, sabendo-o plantado na mesma terra, com as mesmas mãos?
Mas isto é como no cinema. Pagamos bilhete e entramos
Comovemo-nos, sonhamos, pensamos que seríamos nós, se apenas…
E no fim saímos para a mesma forma outra de onde entrámos.
Acordai, homens que dormis,
Mas prefiro homens despertos dormindo
A uma multidão acordada que se repete nas espingardas gastas,
Nas imagens dos cravos nos cartazes,
Na forma como os mesmos punhos erguidos que clamam vitória
Carimbam as formas de lhe dizer não.

Penso que a crise da água é o problema dos cravos na mão.
Gastarmos tanta água para gritar revolução
Arrancarmos anos e anos de acção às mãos ocupadas
Deixando no sangue uma espécie de rega automática

Aceitar, no fim, que nos mandem poupar pelo tempo que nunca gastámos,
Que os cravos estão murchos, porque o suor de os segurar na praça
Não rega os sonhos que nos fazem levantá-lo,
É o mesmo suor podre da mão que não larga o comando da televisão


E mesmo pensando,
E mesmo querendo regar os cravos caídos,
E mesmo procurando ainda a terra e querendo deitar-lhes raízes
Das mãos meio dormentes, não saímos do engodo, só temos espingardas.
Temos alergias nos calos do suor pegajoso do contacto com o metal 
E nem pólvora temos,
E os cravos arrancados são tão escravos como nós
Enquanto achamos que os gritos repetidos são mais
Que música para os ouvidos de quem os planta

Na sala da programação.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Roundabout III

Comecei a pensar nisto quando, há uns tempos, li um livro sobre as diferentes formas de processar informação no hemisfério esquerdo e direito do cérebro. O autor, Lucien Israel, falava da fealdade do subúrbio e da influência que essa fealdade tinha na forma como pensávamos e conduzíamos a nossa vida. Da forma como, apesar de estarmos habituados a relegar questões estéticas para o museu ou para a esteticista, para a sala de espectáculos ou para a novela, aquilo ficava gravado no nosso sistema nervoso e acabava por deprimir a nossa capacidade de nos conduzirmos através da nossa experiência estética, imediata, do ambiente que nos é familiar e onde passamos a maior parte do tempo - passar é mesmo a palavra certa, em ambos os sentidos.

O facto abre uma perspectiva óptima de crescimento económico para todos os agentes culturais, pois a necessidade de algo que compense aquela fealdade torna-se premente, e isso abre uma questão. Duas, aliás:
Como programar e quais os limites dessa programação, uma vez que a capacidade de experiência deve ver-se reduzida pela constante inibição; e
Qual a reacção a partir dessa inibição? O que acontece com o sistema nervoso de uma pessoa que aqui vive e passa a maioria do tempo? O que fica depois de a capacidade de empatia com o meio ser inibida, quase como se de um acidente se tratasse?
Ficamos dentro de uma definição, literalmente. Dentro do definido, do delimitado, do seguro. Um pouco como o parque infantil vigiado - do homo ludens? Desde que não nos afastemos deste espaço, parece que está tudo bem e podemos ser felizes.
Parece tudo bem.
O problema é o tamanho deste espaço. Aliás, o problema é que este espaço só existe na nossa capacidade de o definir e de excluir tudo o resto. Limitado a uma capacidade de circunscrição lógica auto-suficiente, acaba por excluir tudo o que lhe é estranho. Mais, este espaço, não só não aceita nada fora da definição, como é forçado, naturalmente, a fechar-se sempre mais e mais à medida que a simples passagem do tempo vai rearranjando os elementos em volta e obrigando a um fechamento de perspectiva para que o que, com as mudanças no ambiente, põe em causa a definição, é posto fora por uma série de artifícios justificativos.

sábado, 9 de maio de 2015

Ao Rodrigo Miragaia


Porque a poesia nunca tratou do belo. Isso é conversa de esteticista. A poesia sempre viveu do subúrbio. É sempre uma cena da porta a ranger, do ruído das obras no silêncio da observação, dos canhões de fumo, ao longe, na pele menos perfeita da rapariga a pé pelo caminho atrás da fábrica.
Olhamos para ela ao longe e nunca se sabe bem se está a dançar, se a bambolear, se vem inebriada da existência incrível do ritmo das coisas, se intoxicada pela merda do almoço por 3 euros e 90 no refeitório da empresa que lhe faz poupar para as edições baratas dos clássicos russos (da editora do patrão).

O que trata do belo é o patrão, que ele é que publica os autores russos que alimentam a rapariga com aquela ilusão da dança. Quando a rapariga compra os livros que os alimentam, claro, está a reconhecê-lo, pensa o patrão.

- Que bonitos estes autores, Senhor Doutor, diz-lhe ela um dia, hora de almoço, no escritório.
- Bonito é o som das suas palavras quando os lê, Matilde. Responde-lhe este, atenciosamente, afagando-lhe o rosto. E o pescoço.

Já a possui. Sabe-o, enquanto cumpre o ritual de sedução que começou no dia da entrevista (Tivemos sorte em encontra-la, Menina. É tão difícil hoje em dia encontrar gente que percebe quão difícil é para um patrão, sustentar um empregado!).

Matilde sorri. Parece sorrir. Como no caminho por onde vem, parece dançar e sorrir. E ali também. E o patrão também o vê, e os canhões de fumo, e as obras a erguer mais ruído no silêncio da vegetação.
Bonito, Bonito, é ter mais tostões no porquito, pensa.


Rodrigo Miragaia


Porque a poesia nunca tratou do belo. “Quem limpa com perfeição/ tem vileda sempre à mão”. Porque isto é sempre uma questão de asseio. A poesia é saber rimar a apresentação com o desempenho, mesmo tendo que liberalizar o verso.E é por isto que a Dona Otília não canta “Para lidar com insurreição/Desterritorialização!”

- Prefiro a canção da novela, diz-nos. E depois, eu tenho lá tempo para essas coisas! A minha Matilde chega tarde a casa do trabalho, coitadita, e vem cansada, e sobretudo agora, que está grávida. Mas lá o Senhor Doutor, o Patrão dela, ele é um bom homem! Deixa-a vir trabalhar menos para não se cansar e só lhe paga menos 40% à hora!E ainda insiste que ela venha almoçar! Tem muito a agradecer-lhe, agora que tem de criar o filho sozinha! Se ela perde aquele emprego, aí é que se vai ver o que é a beleza!





Porque a poesia nunca tratou do belo.

“Quando um gajo está em baixo, até os cães lhe vêm mijar na perna. Lindas Palavras!”
Victor Bigodes, 1999



Rodrigo Miragaia



A poesia trata é da sua respiração e é só isso que nos salva, não é, Rodrigo Miragaia? Haver ritmo. Haver tempo. Haver escamas de peixe para ninguém dizer que a fotografia é uma cena para fixar o tempo Não! Isto foi feito para respirar! E isso é que é o ritmo e isso é que é o tempo e isso é que é as palavras e as imagens e o facto de a gente navegar entre as escamas e sentir o ar passar. A escolha é nossa, entre o dançar e o bambolear.
É esta a poesia das imagens: em cada passo, andar aqui oscila existencialmente entre o humano e o filho de puta.
Como não fazer o percurso a dançar?

Há espaços brancos entre os ramos. E a gente sabe que o espaço entre os fotogramas não separam, são um vento que ali passa e faz repetir o som que faz existir o poema nas imagens. 



Rodrigo Miragaia