McLuhan, falando
sobre a fotografia, diz-nos «Um dos traços característicos da
fotografia é a sua possibilidade de isolar momentos do tempo».
Transcrevo a frase, não porque tal seja necessário à ideia que
aqui se veicula e que se tornou um dos slogans do
próprio meio, mas pelo que nos diz: isolar momentos do
tempo. Não no tempo,
mas do tempo.
Transcrevo-o da tradução, na edição da Relógio d'Água,
Compreender os Meios de Comunicação, extensões do homem, de 2008,
na tradução de José Miguel Silva. No original, aparece-nos como
moments in time, e não
moments from time, ou seja,
momentos no tempo. No
entanto, este lapso traz à superfície uma questão importante.
Talvez, mais do que um erro, este pormenor da tradução faça justiça
ao pensamento que aqui apresento: as imagens são retiradas dessa
circulação do tempo. Não congelam o tempo, abstraem do tempo:
aquele instante que guardámos não vai voltar.
A
questão que coloquei começa aqui a ganhar relevo. Será que uma
imagem retirada do fluxo do tempo pode ser considerada real? Chamo a
atenção para esta retirada, que se dá a vários níveis. Não é
só o facto de ser uma abstracção em relação ao fluxo do tempo,
pois, isso, todas as reproduções anteriores o eram. Muito mais
importante, aqui, é a abstracção em relação ao gesto, à
estaticidade “real” da imagem, por um lado, e à suposta não
intervenção humana – digo suposta pois é mais uma crença que um
facto, como veremos. A acrescentar a isto, a noção popular de que a
fotografia é o real, e não um símbolo ou uma representação.
A
questão importa, sobretudo, quando consideramos a nossa tentativa de
adequação a uma imagem estática, abstraída, ao mesmo tempo, do
fluxo do tempo e da acção – dos nossos gestos – quando a vemos
como destino a almejar. Estamos a estabelecer, como modelo a seguir,
uma “realidade” abstraída de nós mesmos e, por isso,
inalcançável.
Lembro-me
de uma explicação de filosofia, a primeira que tive, acho. A
professora mostrou-me uma reprodução de La Trahison de Images e
perguntou
-
O que é isto?
Eu
respondi que era um cahimbo, primeiro. Quando me disse que estava
enganado, respondi, meio ironicamente, que era um quadro.
-
Um quadro de quê? Pergunto ela outra vez.
-
De um cachimbo?
-
Lê lá o que está em baixo.
-
Ceci n'est pas une pipe.
-
Sabes o que quer dizer? Isto não é um cahimbo.
-
Sim, mas é um cachimbo, não? Está lá pintado!
-
Sim, mas olha lá bem.
A
conversa continuou até eu perceber que a pintura representava um
cachimbo, não era o próprio cachimbo. Que a inscrição em baixo
servia para o tornar óbvio, no fundo, apesar do aparente paradoxo
que representava ter um cachimbo pintado – insisto no erro de
propósito, já – e uma inscrição que diz Isto não é um
cachimbo.
Duane Michals - Visit With Magritte |
La
trahison des images. Magritte lá o sabia. A sua obra é, em parte,
uma paródia inteligente através destes paradoxos. Não só a
questão da representação/realidade, como das camadas de
representação, e da forma como podemos, numa mesma camada,
acrescentar sentidos tão contraditórios entre si que o todo se
torna, literalmente, nonsense, pelo menos, em relação ao que a imagem do sentido permite. A ideia de um sobrerrealismo como uma objecção à fixidez da "verdade" nas imagens.
The medium is the message, outra vez. É apenas quando o Isto é se torna menos óbvio que o percebemos, realmente. Porque também pode não ser. E isto inaugura toda uma querela que é da própria história da fotografia, a discussão sobre o real ou sobre a verdade. Entre o Isto é, o Isto não é, o Isto pode ou Isto não pode ser, vamos avançando sempre em direcção a uma ideia de imagem que que nos é dada pela aparente realidade da imagem fotográfica e que inclui a nossa imagem nela. Um pouco como um pai a trabalhar longe de casa que passasse anos a ver o filho só em fotografias e comentasse, ao primeiro encontro: Mas ele mexe-se!
The medium is the massage. Ou como diz o ditado, o hábito faz o monge. E a ideia de uma representabilidade da realidade sem intervenção do representante ganha espaço e relevo no nosso imaginário. Teremos agarrado, finalmente, a realidade? Temos finalmente alguma coisa para a qual possamos apontar e dizer, inequivocamente Isto é Isto! Podemos dormir descansados.
The medium is the message, outra vez. É apenas quando o Isto é se torna menos óbvio que o percebemos, realmente. Porque também pode não ser. E isto inaugura toda uma querela que é da própria história da fotografia, a discussão sobre o real ou sobre a verdade. Entre o Isto é, o Isto não é, o Isto pode ou Isto não pode ser, vamos avançando sempre em direcção a uma ideia de imagem que que nos é dada pela aparente realidade da imagem fotográfica e que inclui a nossa imagem nela. Um pouco como um pai a trabalhar longe de casa que passasse anos a ver o filho só em fotografias e comentasse, ao primeiro encontro: Mas ele mexe-se!
The medium is the massage. Ou como diz o ditado, o hábito faz o monge. E a ideia de uma representabilidade da realidade sem intervenção do representante ganha espaço e relevo no nosso imaginário. Teremos agarrado, finalmente, a realidade? Temos finalmente alguma coisa para a qual possamos apontar e dizer, inequivocamente Isto é Isto! Podemos dormir descansados.
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