sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Sombras 02


McLuhan, falando sobre a fotografia, diz-nos «Um dos traços característicos da fotografia é a sua possibilidade de isolar momentos do tempo». Transcrevo a frase, não porque tal seja necessário à ideia que aqui se veicula e que se tornou um dos slogans do próprio meio, mas pelo que nos diz: isolar momentos do tempo. Não no tempo, mas do tempo. Transcrevo-o da tradução, na edição da Relógio d'Água, Compreender os Meios de Comunicação, extensões do homem, de 2008, na tradução de José Miguel Silva. No original, aparece-nos como moments in time, e não moments from time, ou seja, momentos no tempo. No entanto, este lapso traz à superfície uma questão importante. Talvez, mais do que um erro, este pormenor da tradução faça justiça ao pensamento que aqui apresento: as imagens são retiradas dessa circulação do tempo. Não congelam o tempo, abstraem do tempo: aquele instante que guardámos não vai voltar.
A questão que coloquei começa aqui a ganhar relevo. Será que uma imagem retirada do fluxo do tempo pode ser considerada real? Chamo a atenção para esta retirada, que se dá a vários níveis. Não é só o facto de ser uma abstracção em relação ao fluxo do tempo, pois, isso, todas as reproduções anteriores o eram. Muito mais importante, aqui, é a abstracção em relação ao gesto, à estaticidade “real” da imagem, por um lado, e à suposta não intervenção humana – digo suposta pois é mais uma crença que um facto, como veremos. A acrescentar a isto, a noção popular de que a fotografia é o real, e não um símbolo ou uma representação.
A questão importa, sobretudo, quando consideramos a nossa tentativa de adequação a uma imagem estática, abstraída, ao mesmo tempo, do fluxo do tempo e da acção – dos nossos gestos – quando a vemos como destino a almejar. Estamos a estabelecer, como modelo a seguir, uma “realidade” abstraída de nós mesmos e, por isso, inalcançável.

(Uma reprodução de) Magritte - La Trahison des Images

Lembro-me de uma explicação de filosofia, a primeira que tive, acho. A professora mostrou-me uma reprodução de La Trahison de Images e perguntou
- O que é isto?
Eu respondi que era um cahimbo, primeiro. Quando me disse que estava enganado, respondi, meio ironicamente, que era um quadro.
- Um quadro de quê? Pergunto ela outra vez.
- De um cachimbo?
- Lê lá o que está em baixo.
- Ceci n'est pas une pipe.
- Sabes o que quer dizer? Isto não é um cahimbo.
- Sim, mas é um cachimbo, não? Está lá pintado!
- Sim, mas olha lá bem.

A conversa continuou até eu perceber que a pintura representava um cachimbo, não era o próprio cachimbo. Que a inscrição em baixo servia para o tornar óbvio, no fundo, apesar do aparente paradoxo que representava ter um cachimbo pintado – insisto no erro de propósito, já – e uma inscrição que diz Isto não é um cachimbo.

Duane Michals - Visit With Magritte

La trahison des images. Magritte lá o sabia. A sua obra é, em parte, uma paródia inteligente através destes paradoxos. Não só a questão da representação/realidade, como das camadas de representação, e da forma como podemos, numa mesma camada, acrescentar sentidos tão contraditórios entre si que o todo se torna, literalmente, nonsense, pelo menos, em relação ao que a imagem do sentido permite. A ideia de um sobrerrealismo como uma objecção à fixidez da "verdade" nas imagens.

The medium is the message, outra vez. É apenas quando o Isto é se torna menos óbvio que o percebemos, realmente. Porque também pode não ser. E isto inaugura toda uma querela que é da própria história da fotografia, a discussão sobre o real ou sobre a verdade. Entre o Isto é, o Isto não é, o Isto pode ou Isto não pode ser, vamos avançando sempre em direcção a uma ideia de imagem que que nos é dada pela aparente realidade da imagem fotográfica e que inclui a nossa imagem nela. Um pouco como um pai a trabalhar longe de casa que passasse anos a ver o filho só em fotografias e comentasse, ao primeiro encontro: Mas ele mexe-se!

The medium is the massage. Ou como diz o ditado, o hábito faz o monge. E a ideia de uma representabilidade da realidade sem intervenção do representante ganha espaço e relevo no nosso imaginário. Teremos agarrado, finalmente, a realidade? Temos finalmente alguma coisa para a qual possamos apontar e dizer, inequivocamente Isto é Isto! Podemos dormir descansados.

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