O grande gozo desta cena toda é tudo parecer real. Sim. Fotografamos por uma série de limitações que o próprio meio impõe e quando olhamos para a imagem, parece mesmo o que lá estava. Isto diz-nos, antes de mais, da enorme capacidade que temos para inventar. Pura e simplesmente. Inventamos um aparelho que permite construir imagens da realidade desde que nos conformemos à forma como este nos permite ver. Saímos à rua com as imagens que são produto desse aparelho e dizemos Isto é... A ideia de algo fazer prova de realidade torna-se plausível. Olhamos para lá e está lá. É mais plana, é certo – mesmo com a chegada do 3D – mas está lá. Sem intervenção humana, dizem os entendidos. É espantoso. Temos imagens de tudo! E se alguns as usam, essencialmente, para continuar a duvidar e a procurar, outros, talvez como sempre, vêem apenas a caixa mágica que produz realidade.
De
repente, somos todos apenas mais um produto desse mesmo aparelho. The
medium is the message, diz McLuhan. De repente, desatamos a olhar
para as fotografias onde aparecemos e a dizer Olha eu! Este sou eu!
Achamos que está tudo bem, e se nos dizem que aquele ali não somos
nós, ninguém duvida, claro. Claro que toda a gente sabe que aquilo
é só uma imagem.
Joseph
Nicéphore Niépce
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Dizem
que esta é a primeira imagem fotográfica que existe. Foi feita por
Joseph Nicéphore Niépce, um inventor francês, na segunda metade do
século XIX. Ao olhar para ela aqui reproduzida, não consigo perceber
o que é defeito original da imagem e o que é defeito da
digitalização. De qualquer modo, o grau de realismo é ainda
bastante inocente. Mas aqui estava o primeiro registo fiel da rua
tantos de tal na data de tal e tantos. Uma imagem "real" da
"realidade".
“Real”
e “Realidade”. Dois termos que retenho e me fazem pensar.
Provavelmente, terão lá estado sempre e, como tal, quando a
fotografia chegou, achou-se que permitiria olhar “realmente” o
“real”. Idealmente, seria assim. No entanto, que real era esse
antes e depois da chegada da fotografia?
Podemos
argumentar que a imagem já lá estava, perfeitamente reproduzida,
apesar de ao contrário, nas paredes da câmara escura, e que a
fotografia não veio acrescentar grande coisa. No entanto, havia algo
nas imagens que ainda as ligava a um outro tempo: não ficavam. Eram
passageiras. E o seu registo dependia ainda da “imperfeição” do
gesto humano. O facto de aqui usar o termo imperfeição, e de o usar
entre parênteses, já diz muito do que aqui se passa. De repente,
damos por nós a criar uma imagem nossa de perfeita realidade que não
depende da realidade da nossa existência gestual e temporal.
Perde-se
o gesto na construção da imagem, perde-se a necessidade de acção
humana para a execução de um retrato, e perde-se o gesto do
retratado no execução do retratista, também. A auto-imagem devém
algo de estático. Conseguimos um mecanismo de fixação da nossa
imagem que é mecânico e químico, perfeito, no seu aspecto de
realidade factual.
Outro
aspecto interessante neste Isto é: o que aparece resulta sempre do
que já não está. A fotografia, o objecto final, resulta, quando
muito, num Isto Foi. Como a própria ideia, tão cara à
popularização deste meio, de que fixa instantes no tempo; de que
congela o tempo.
Ficamos
com uma imagem real da realidade tirada do fluxo do tempo. A pouco e
pouco, vamos ordenando a nossa noção de realidade num arranjo cada
vez mais visual, cada vez mais imagético, e vamos construindo o
nosso fluxo a partir de, através de e – talvez o mais importante,
aqui – para essas imagens estáticas.
Resta
uma questão, agora: Será que uma imagem retirada do fluxo do tempo
pode ainda ser considerada “Real”?
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