sábado, 19 de janeiro de 2013

Sombras 01


O grande gozo desta cena toda é tudo parecer real. Sim. Fotografamos por uma série de limitações que o próprio meio impõe e quando olhamos para a imagem, parece mesmo o que lá estava. Isto diz-nos, antes de mais, da enorme capacidade que temos para inventar. Pura e simplesmente. Inventamos um aparelho que permite construir imagens da realidade desde que nos conformemos à forma como este nos permite ver. Saímos à rua com as imagens que são produto desse aparelho e dizemos Isto é... A ideia de algo fazer prova de realidade torna-se plausível. Olhamos para lá e está lá. É mais plana, é certo – mesmo com a chegada do 3D – mas está lá. Sem intervenção humana, dizem os entendidos. É espantoso. Temos imagens de tudo! E se alguns as usam, essencialmente, para continuar a duvidar e a procurar, outros, talvez como sempre, vêem apenas a caixa mágica que produz realidade.
De repente, somos todos apenas mais um produto desse mesmo aparelho. The medium is the message, diz McLuhan. De repente, desatamos a olhar para as fotografias onde aparecemos e a dizer Olha eu! Este sou eu! Achamos que está tudo bem, e se nos dizem que aquele ali não somos nós, ninguém duvida, claro. Claro que toda a gente sabe que aquilo é só uma imagem.


Joseph Nicéphore Niépce

Dizem que esta é a primeira imagem fotográfica que existe. Foi feita por Joseph Nicéphore Niépce, um inventor francês, na segunda metade do século XIX. Ao olhar para ela aqui reproduzida, não consigo perceber o que é defeito original da imagem e o que é defeito da digitalização. De qualquer modo, o grau de realismo é ainda bastante inocente. Mas aqui estava o primeiro registo fiel da rua tantos de tal na data de tal e tantos. Uma imagem "real" da "realidade".
Real” e “Realidade”. Dois termos que retenho e me fazem pensar. Provavelmente, terão lá estado sempre e, como tal, quando a fotografia chegou, achou-se que permitiria olhar “realmente” o “real”. Idealmente, seria assim. No entanto, que real era esse antes e depois da chegada da fotografia?

Podemos argumentar que a imagem já lá estava, perfeitamente reproduzida, apesar de ao contrário, nas paredes da câmara escura, e que a fotografia não veio acrescentar grande coisa. No entanto, havia algo nas imagens que ainda as ligava a um outro tempo: não ficavam. Eram passageiras. E o seu registo dependia ainda da “imperfeição” do gesto humano. O facto de aqui usar o termo imperfeição, e de o usar entre parênteses, já diz muito do que aqui se passa. De repente, damos por nós a criar uma imagem nossa de perfeita realidade que não depende da realidade da nossa existência gestual e temporal.

Perde-se o gesto na construção da imagem, perde-se a necessidade de acção humana para a execução de um retrato, e perde-se o gesto do retratado no execução do retratista, também. A auto-imagem devém algo de estático. Conseguimos um mecanismo de fixação da nossa imagem que é mecânico e químico, perfeito, no seu aspecto de realidade factual.


Outro aspecto interessante neste Isto é: o que aparece resulta sempre do que já não está. A fotografia, o objecto final, resulta, quando muito, num Isto Foi. Como a própria ideia, tão cara à popularização deste meio, de que fixa instantes no tempo; de que congela o tempo.

Ficamos com uma imagem real da realidade tirada do fluxo do tempo. A pouco e pouco, vamos ordenando a nossa noção de realidade num arranjo cada vez mais visual, cada vez mais imagético, e vamos construindo o nosso fluxo a partir de, através de e – talvez o mais importante, aqui – para essas imagens estáticas.
Resta uma questão, agora: Será que uma imagem retirada do fluxo do tempo pode ainda ser considerada “Real”?

Sem comentários:

Enviar um comentário