domingo, 13 de janeiro de 2013

XXI Walker Evans II


De algum modo, parece que Evans deixa os romancistas para se dedicar à poesia. A uma expressão mais espontânea do todo a cada instante do que à construção aturada de uma realidade linear.

                                                       Walker Evans - Penny picture displays, Alabama

Talvez mais até, do que opor verso e prosa, devamos pensar numa distinção mais incisiva, a da criação de uma linguagem oposta a um escrever o léxico dos outros. Procurar chegar àquela língua estrangeira que Deleuze diz existir em todos os grandes escritores, ao fazer gaguejar a língua.


                                                       Walker Evans - Circus Poster, Alabama, 

Criar um documento pode ser visto dessa forma. A pouco e pouco, vamos deixando de parte os truques e as manhas e vamo-nos tornando sinceros e abertos para com o nosso próprio pensamento. As imagens começam a surgir para o pensamento assim como o pensamento surge a partir das imagens que, cada vez mais o refletem. E aí, começa a diferenciação em relação a uma linguagem usual. Esse documento surgirá tão novo como a relação do documentarista com o mundo que abre.
Há uma relação que se estende no tempo. Berenice Abbot, outro nome grande do documentarismo, diz-nos que fotografar uma cidade é o trabalho de uma vida e não pode ser captado numa só foto. Esta relação com o tempo e, por isso, consigo mesmo, vai acrescentando densidade de leitura por oposição aos truques “estéticos”. A imagem é despida de truques para que a leitura seja crua. Interessa criar uma relação com o que lá está; criar uma abordagem “neutra” para permitir uma leitura “neutra”.
Coloco entre parêntesis o “estético” e o “neutro” porque, sabemo-lo hoje, não existe neutralidade, e as imagens vêm sempre informadas pela atenção e intenção do autor e porque, como qualquer imagem ou documento construído, também estas são estéticas. Estética, lembremo-lo, apela a uma construção dos sentidos, a uma sensorialidade, e não ao bonitinho da esteticista. Olhando para trás, hoje em dia, percebemos isso ao falar da estética da propaganda e ao ver como estas imagens, pungentes, cruas e honestas na aparência, permitiram a criação de uma ética e de uma moral de trabalho e de crescimento através do consumo.

                                                 Walker Evans - Roadside stand near Birmingham, Alabama

Assim, o que nos fica é uma estética que permite a leitura mais abrangente do que se quer mostrar. A suposta “neutralidade” constitui a forma mais simples de deixar falar os elementos que se escolheu focar; diz-nos que não importa, dentro dos elementos focados, tentar estetizar, mas que, por assim dizer, quanto menos interpretação dermos aos factos, mais espaço de interpretação damos ao “leitor”.

Walker Evans - Minstrel poster, Alabama, 1936


“Leitor”. Mais uma palavra entre parêntesis pois estas imagens podem ser lidas literalmente. A cara, o tom de pele, a expressão dos olhos, o lábio inferior mordido, as roupas gastas mas cuidadas, o cabelo apertado, tudo isto descreve uma vida exigente, exposta. Allie Mae Burroughs não tem vida fácil. Percebemo-lo neste retrato. Ao ver o marido, ou a casa da família, percebemo-lo ainda mais. Todas as imagens de Alabama são isso mesmo, um retrato cru de uma época difícil. Os materiais simples, pouco adornados, a rudeza das pessoas, tudo aponta, não para a dignidade do trabalho que a Farm Security Administration quer passar, mas para uma realidade mais dura e áspera, mais austera.

Walker Evans - Allie Mae Burroughs


Walker Evans - Home of Cotton Sharecropper Floyd Burroughs, Alabama


Evans é um dos rostos do estilo documental em fotografia definido pela agência de Roy E. Stryker. Seria de esperar que fosse a face da propaganda, também, que promovesse o seu propósito. No entanto, ironicamente, Evans virá a ser despedido por Stryker em 1937, por criar registos puros, não ajudando à propaganda para a mudança social que a FSA queria implementar através destes trabalhos.

William Carlos Williams termina assim o seu Sermon with a Camera 
(http://www.ericmarth.com/newtwine/sermonwithacamera.pdf ), uma crítica ao livro American Photographs, de Evans:

The pictures are for the most part mild, but in spite of 
this, though always exquisitely clear in reasoning and in visual quality, they pack a 
wicked punch.  There's nothing oppressively "photographic" here, it isn't a long nose 
poking into dirty corners for propaganda and for scandal, there are no trick shots, the 
composition isn't a particular feature - but the pictures talk to us.  And they say plenty.




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