sexta-feira, 22 de março de 2013

Sombras 08

É surpreendente, a forma como, de repente - ou talvez esta impressão de repentismo já pertença ao enunciado da ilusão - conseguimos transferir a nossa auto-imagem para algo que é exterior a nós mesmos; como conseguimos olhar para um objecto material e identificar algo que é nosso, que é, por assim dizer, o nosso darmo-nos, com esse objecto exterior e material.
Retomo a ideia do espelho, de Feldenkrais. Ontem, numa conversa, falava da ideia de originalidade, e da forma como, não poucas vezes, procuramos na história das ideias uma ideia que não tenha ainda sido apresentada, que seja original nesse sentido de não ter existido ainda como objecto.
O que é ser original? Alguém passa uma vida inteira procurando, no compêndio das ideias feitas, uma que seja original, que nunca tenha sido vista. No final da vida, sentencia: Depois de uma vida inteira a procurar uma ideia que não tivesse ainda sido feita, noto que tudo o que encontrei feito estava feito. Não tendo encontrado nada que, feito, ainda estivesse por fazer e fosse, assim original, declaro ser impossível, nos dias de hoje, ser-se original.
Isto lembra-me a ideia do espelho de Feldenkrais, como já disse. E lembra-me a introdução que o próprio escreve para The Potent Self, como o título Love Thyself As Thy Neighbor -
http://books.google.pt/books?id=LXihqvZs-q8C&pg=PR37&lpg=PR37&dq=love+thyself+as+thy+neighbour+feldenkrais&source=bl&ots=pQp7rUWw3N&sig=eGJxGWHM3I3wIBlCXFcru-eud4U&hl=en&sa=X&ei=9o3IUMvYNtOYhQe-x4CQAg&ved=0CEwQ6AEwBA#v=onepage&q=love%20thyself%20as%20thy%20neighbour%20feldenkrais&f=false -
onde inverte a ordem do ditado. Diz-nos ele, resumidamente, que qualquer princípio, qualquer valor moral, independentemente do seu valor em abstracto, perde toda a validade quando obedecido compulsivamente. Quando nos obrigamos a agir ou a fazer a partir de uma imagem exterior a nós mesmos, estamos a ser tiranos para connosco. Love Thy Neighbor as Thy Self é, então, um convite a essa tirania na primeira pessoa, ao desligá-la de si por princípio, ao convidar, não a uma ação baseada na perceção de si, na auto-responsabilidade, mas numa imagem que é exterior ao princípio de auto-organização. Chegamos a uma contradição inultrapassável. Tanto mais que, aquilo que seria necessário para ultrapassar esta questão é exactamente esse princípio de auto organização que o próprio ditado exclui.

O que é ser original? É original aquilo que reflecte, ou que remete para uma origem. É o que nos diz o dicionário, pelo menos. Se, por outro lado trazemos o termo para designar algo de inovador, se dizemos que algum trabalho é original quando é novo, quando não se reporta a nada, então, temos um contrasenso; temos um momento de contradição que dificilmente pode ser ultrapassado sem deixar cair alguma coisa no caminho.


Qual é a origem, no fundo?

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