terça-feira, 12 de julho de 2011

XVI Paulo Tavares - Linhas de Hartmann

Linhas de Hartmann, Paulo Tavares
capa de Maria João Lopes Fernandes

A Maria João faz capas de livros por medida. O autor manda-lhe o texto que vai aparecer depois todo num quadrado &etc e ela faz pra lá uns desenhos que aparecem enquanto lê.

Um banco de jardim com uma árvore enorme cheia do banco, também, como se parar ali fosse uma cena de religião (religação, sim), e uns blocos lá para trás que ninguém percebe bem o que são.

Desde há décadas que se constroem aqueles blocos que ninguém percebe o que são. Há gente que vive lá e sai todas as manhãs para o trabalho e passa pelo banco de jardim no caminho e também não percebe o que são. Mas diz que se vive lá e tudo. O que também não é dizer muito, diga-se.

Linhas de Hartmann. É o nome do livro, de um tal de Paulo Tavares, um gajo que ia de casa para o trabalho e para a faculdade, e do trabalho e da faculdade para casa e que, no caminho, se sentava naquele banco das raízes da árvore mesmo em frente aos blocos lá atrás, no desenho, onde também vive.

Pensamos que a cena é toda sempre igual, mas não. Pensamos que anda tudo ao mesmo e que não há hipótese, que temos todos de engolir da mesma forma por causa de não sei que causa de não sei porquê, mas há este gajo que chega e que escreve. E depois havemos de ficar todos a pensar assim. Ou se calhar até já pensamos assim e o gajo o que fez foi escrevê-lo, apenas; enquanto se andava aí a imitar sonetos e a pensar que a vida podia ser assim, ou assim, ele chega e vê e escreve e é um bocado como se aquilo fosse tudo a história de uma caixa negra, como a cena que resiste até ao ruído dos aviões.

E é difícil um gajo ouvir-se pensar no meio de tudo o que é ruído que é tudo o que é hoje, quase. É difícil pensar ruído sem ficar com um pensamento ruidoso. Atravessar subúrbios sempre até ao fim do mês e ir vivendo nisto. Nisto, não disto. Porque apesar de tudo, vai havendo vida. Vai havendo gente que constrói coisas lá dentro e ousa construir para fora. a cena viva vai-se construindo do subúrbio... é que no centro, é tudo estátuas de coisas que já não são, uma estética de manicure. Fica pouco espaço para o que se mexe realmente. Está lá a estátua do escritor, ainda, na esplanada, mas a mão já não se mexe. É no subúrbio que a cena cresce daninha, com vida. O centro é bonito para fazer fotos e comprar postais. É bonito para o turista e para o domingo.

O banco de jardim: No meio desta loucura de todos tentarmos mais e mais para não sei mais o quê, imagino a figura de alguém que não só se senta num, como ainda pára mesmo, e pensa, e vê.

É sempre uma poesia enorme, descobrir que isso tudo ainda é possível.

A Maria João diz que este livro vai ser um livro de referência no futuro, o livro de poesia da geração à rasca…

Eu acho que a geração podia lê-lo já e deixar de ser à rasca, só naquela… Parar e ver e ouvir e pensar com isso tudo, sem domingos nem postais…

E este livro tem tanto disso que podia ser referência já!

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