terça-feira, 19 de outubro de 2010

VI

Depois, há alturas em que chego aqui sem nada para dizer. Há ideias, há formas, viver prossegue como se não fosse nada. As ideias passam um bocado como as nuvens e, quando acho que há alguma que valha a pena usar, olho para lá para descrever, e esta esvai-se. Passa tempo sobre tempo até que, por qualquer milagre, tudo o que parecia ter-se esvaído reaparece e há um cenário todo inteiro, pronto a trabalhar. Aí, vou tratando dos pormenores sem perder noção do todo.

Lembro-me disto a propósito da apresentação do trabalho do João Paulo Serafim, na sexta feira passada, quando do lançamento do primeiro curso de pós graduação “Fotografia, Projecto e Arte Contemporânea”, numa parceria entre o Atelier de Lisboa e o IPA. Ele estava a apresentar o trabalho do MIAC e eu, como é meu costume, comecei a divagar, meio a ouvi-lo, meio a pensar no meu próprio trabalho. Ia olhando e ouvindo e pensando que tudo aquilo, embora se sentisse que era a mesma casa e o mesmo tecto, tinha um ar meio disperso, até chegar a um ponto em que o ouvi dizer que achava que, no fundo, tudo aquilo era como um puzzle que ele ia construindo, pondo uma peça aqui, outra ali. Nessa altura, reconheci aquele céu onde passam as nuvens; onde vamos deixando correr o pensamento até se formarem imagens onde o fundo se reflecte.

Um pouco à imagem do músico que anda de ensaio em ensaio a repetir uma frase em cenários diferentes até lhe encontrar a roupagem certa. Nessa altura, surge uma música do nada.

Este nada é o mesmo céu das nuvens. É aquela ideia que, por vezes, não chega a ser um pensamento consciente, mas que se reflecte em todos eles. Às vezes, a ideia que nos guia é tão arrebatadoramente tudo o que vemos e sentimos que não sobra reflexo para a fixar, e é como o muro da Iolanda. Outras, mais um pormenor aqui e mais outro detalhe ali, e ficamos sem saber por onde vamos e o trabalho esvazia a cada instante em que o enchemos.

E agora, volto ao nada para dizer. Fico a ver a imagem do meu puzzle até à certeza de lá por as peças, um pouco como o músico repetindo a sua melodia até a encaixar no todo.

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