E porque é que tirou esta fotografia?
Porque a vi ali, pronta a ser tirada.
Visto assim, perde um bocado o romantismo, não é? Mas, no limite, não há muito mais a dizer. Chamaram-lhe uma arte visual e é mesmo isso que é: visual. Claro, podemos pensar que há tanto por trás da imagem e que o autor achava isto e defendia aquilo e ainda mais o outro, mas a imagem, que é o que fica para ser visto, é visual. Tem tudo isso e não tem nada disso, é apenas uma imagem. E é apenas enquanto imagem que ela é tudo o resto. Porque, sim, é verdade, se toda a gente pensa e faz e tem opiniões, e se essas opiniões se refletem em tudo o que toda a gente faz…
E é por isso que a fotografia é bela como é. É por isso que a sinto assim, como algo que me despe a visão do pensamento que não seja visual. Pensamento visual. Apenas. É isso.
Há pouco estava a ver umas imagens de uma viagem à Eslováquia com o Coro da Universidade de Lisboa e lembrei-me de uma cena com a Iolanda que ainda hoje é uma lição de fotografia:
A dada altura, estamos todos sentados num banco qualquer numa rua qualquer – a descrição aqui não tem de ser exata, basta imaginar-se aos 21 anos numa desconhecida de uma cidade desconhecida de um país desconhecido e a imagem é perfeita – e a Iolanda olha para o outro lado da estrada e exclama Epah, olhem-me aquele gajo ali ao pé do muro! Opah, tão fixe! Epah, tenho de tirar uma fotografia! Opah, ó Sérgio o que é que achas? Epah…
Ficou uma fotografia de um muro amarelo por onde tinha passado um gajo com um perfil de tal ordem que a imagem ficava perfeita porque, com o entusiasmo, a Iolanda esqueceu-se de fotografar o gajo enquanto o gajo tava lá.
E eu escrevo aqui esta história e a gente lê isto e imagina a imagem e ri e é fixe, mas…
E se tivesse aqui o muro?
Quer dizer, só o muro, mesmo, será que ainda contava a história? E aqui temos a Iolanda, dotada de grande sensibilidade, estudante de piano… mas falhou o instante e a imagem já não conta nada.
E é por isso que a fotografia é bela como é. Uma fábrica de instantes de partilha. E a cena do pensamento visual. Claro.
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