Je est un autre. É curioso. Às tantas, essa mesma questão que me faz ver-me como um outro, impede-me de ver o outro como um eu. Ontem, à conversa com o João, surgiu essa questão. Dei por mim a dividir a cena assim: por um lado, o imperialismo e as pessoas que se tratam a si mesmas na terceira pessoa. Por outro, as relações pessoais. As verdadeiramente pessoais. O facto de onde quer que vamos, sermos sempre humanos e termos sempre relações humanas. O facto de nos aproximarmos de quem nos agrada e de nos afastarmos de quem nos desagrada.
Je est un autre. Há quem se trate por tu. Há quem aja de tal modo em sintonia que quase não haja trato.
No sábado, entrámos no estúdio, uma sala da Academia de Artes de Lisboa. Levámos meia hora até estar tudo pronto para começar. O gravador não estava a dar muito bem, teve de vir o Rui Guerra dar uma ajuda, ele, que se ia levantar daí a poucas horas… lá conseguimos por tudo a funcionar e começar e a música começou a tratar do resto. O que seria um segundo take de uma única estrofe, transformou-se num take único de todo o texto. Basicamente, é o que ficou no final. A dada altura, olhei em volta e havia isso, outra vez. Três pessoas que tinham conseguido comunicar e estavam próximas.
De volta a Feldenkrais. Num dos seus, livros, The Potent Self, escreve uma introdução cujo título é Love thyself as Thy neighbour. Sim, nessa ordem. E o argumento é exatamente esse. Ao focar o outro como base do nosso comportamento, não nos comportamos espontaneamente, mas sempre na expectativa do que poderá ser a resposta. Acabamos por nos impor modelos comportamentais que nem sempre são os mais adequados. Não que a simpatia e a atenção ao próximo sejam maus em si mesmos, não o são, mas que a base desse comportamento não é a simpatia ou a atenção ao próximo, mas a incapacidade de não o fazer. É uma compulsão.
Je est un autre. Compulsivamente.
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