Foi numa imagem do
Jorge Molder. Era simplicíssima. Um rato sobre um fundo preto, se a memória não
me falha. Depois li a explicação numa revista. Uma cena de trompe l’oeil: se colocamos um objeto muito perto do centro da imagem, o cérebro
fica indeciso entre percebê-lo no centro ou mesmo encostado. Está longe demais
para estar no centro, mas perto demais para não estar, no fundo, e isso confere
uma aura à imagem, e prende-nos lá, tipo ratoeira visual.
Porque é que começo a falar disto quando quero falar doutra
coisa qualquer? Porque não são só a crianças que gostam de magia. Todos somos
surpreendidos, de vez em quando, por algo que nos leva para outro lugar
qualquer de nós. Como escreve Emmanuel Marinho:
Poesia não compra sapato,
Mas como andar sem poesia?
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Saul Leiter, Red Umbrella, 1957
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William Eggleston dizia, a dada altura, I am at war with the obvious, e é essa é a sensação que tenho sempre que olho as imagens de Saul Leiter. Não lhes chamo uma guerra, mas um jogo de contra-charada. Como alguém que, a dada altura, não se entende com as partidas que a realidade lhe prega e, em vez de tentar perceber, lhe prega partidas de volta. Este exemplo, com este título, Red Umbrella. Há sempre algo de óbvio, sempre algo que nos faz ligar o piloto automático mesmo antes de olhar bem. Mesmo o título, não deixa antever nada de especial. Mas depois olha-se e não está lá nada, estando lá tudo, e isso intriga. O título torna-se parte da contra-charada, parte crucial, até. É quase um título etiqueta, cena para votar ao desinteresse, apenas para catalogar. No livro onde esta imagem se encontra, Early Color, editado pela Steidl, o título aparece simples na página par e a imagem na impar, de tal modo que se tem de olhar para uma e depois olhar para outra. O José Pedro Cortes chamou-me a atenção para isto e é verdade e realça ainda mais a questão dos títulos e da relação que estes mantêm com as imagens. Aqui, depois, a imagem engana. Daí o bom de não aparecer o título na mesma página, tipo legenda, mas de obrigar a olhar sempre um e depois o outro. separadamente. Na imagem, o guarda chuva já quase não está lá.
Há um caminho e uma sensação constante, nas
imagens dele, de termos de perguntar O quê, afinal? Depois da certeza inicial. É
essa a poesia de Saul Leiter, e isso que me surpreendeu tanto no trabalho que
vi. Uma poesia de jogo infantil, quase, de esconder e aparecer.
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