terça-feira, 31 de janeiro de 2012

XVIII Saul Leiter II

Esconder e aparecer. À medida que vamos crescendo, vamos perdendo este gozo no mistério, no perguntar o que foi para onde foi e como e porquê… vamos perdendo o ritmo e a melodia das relações das coisas e vamos ficando lineares. Realistas. Em vez de encontrar sentido, procuramos utilidade. E realmente, é útil. É útil haver letreiros com indicações precisas, é útil haver um nome certo para dar a cada coisa no momento certo em que a queremos nomear. É útil uma certa previsibilidade da matéria. Faz-nos sentir lá. E no entanto, fica a faltar algo.


                              Saul Leiter,Walking, 1957

Duas ou três letras ao contrário e uma cara sem cara. Qual é a primeira coisa que procuramos quando vemos alguém? E se não o tivermos, o que fica? Será que a pessoa desaparece por não lhe vermos a cara definida? E é assim tão importante que vejamos a cara definida de alguém que não sabemos definir? Como as letras que aparecem sem nexo. Porque letras são coisas de palavras que são coisas de dizer utilidade; maneabilidade, potencial operatório.
Mas aquelas duas letras ali na montra que também não dá para ver para dentro? O que será que se esconde por trás do andar dos transeuntes? E porque é que a imagem se chama “A andar”, se na realidade, o que intriga são as duas letras na montra de ninguém espreitar? Será que o casal se está a afastar com aquele ar levemente comprometido de sabem que guarda o segredo que queremos desvendar porque já espreitou e já sabe? Ou seria só um café. Sim, também pode ser isso, as duas últimas letras da palavra, e o casal de namorados que acabou de sair do café da manhã. Não se percebe. E entretanto, a geometria destes acasos vai fingindo que esclarece. Diz, à sua maneira, que está tudo bem, está tudo certo, a condizer. O espaço das coisas está lá, e as coisas ocupam-no.
Dei de caras com um site[1] onde Rick Poynor nos fala do uso que Leiter dá às letras, da forma como estas ganham em expressividade poética e estética ao serem separadas do dizer banal que originalmente apresentavam.
Talvez isto possa ser dito em relação a todos os elementos que Leiter coloca nas suas imagens, um pouco à imagem dos surrealistas, com as livres associações. Como se retirasse a significação esperada a todos os elementos, ficando apenas a geometria e a coincidência no mesmo espaço de imagem que a ligá-los, o que, aliado à sua banalidade, ao facto de serem cenas simples, sem desafio aparente, nos prende tanto. Como se fugisse do dizer direto, concreto, a que os nossos dias tanto se dedicam. A nós, cabe descansar na não leitura. Deixarmo-nos envolver.

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