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Saul Leiter,Walking, 1957
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Duas ou três letras ao contrário e uma cara sem cara. Qual é a primeira coisa que procuramos quando vemos alguém? E se não o tivermos, o que fica? Será que a pessoa desaparece por não lhe vermos a cara definida? E é assim tão importante que vejamos a cara definida de alguém que não sabemos definir? Como as letras que aparecem sem nexo. Porque letras são coisas de palavras que são coisas de dizer utilidade; maneabilidade, potencial operatório.
Mas aquelas duas letras ali na montra que também não dá para
ver para dentro? O que será que se esconde por trás do andar dos transeuntes? E
porque é que a imagem se chama “A andar”, se na realidade, o que intriga são as
duas letras na montra de ninguém espreitar? Será que o casal se está a afastar
com aquele ar levemente comprometido de sabem que guarda o segredo que queremos
desvendar porque já espreitou e já sabe? Ou seria só um café. Sim, também pode
ser isso, as duas últimas letras da palavra, e o casal de namorados que acabou
de sair do café da manhã. Não se percebe. E entretanto, a geometria destes acasos
vai fingindo que esclarece. Diz, à sua maneira, que está tudo bem, está tudo
certo, a condizer. O espaço das coisas está lá, e as coisas ocupam-no.
Dei de caras com um site[1]
onde Rick Poynor nos fala do uso que Leiter dá às letras, da forma como estas
ganham em expressividade poética e estética ao serem separadas do dizer banal
que originalmente apresentavam.
Talvez isto possa ser dito em relação a todos os elementos
que Leiter coloca nas suas imagens, um pouco à imagem dos surrealistas, com as
livres associações. Como se retirasse a significação esperada a todos os
elementos, ficando apenas a geometria e a coincidência no mesmo espaço de
imagem que a ligá-los, o que, aliado à sua banalidade, ao facto de serem cenas
simples, sem desafio aparente, nos prende tanto. Como se fugisse do dizer
direto, concreto, a que os nossos dias tanto se dedicam. A nós, cabe descansar na não leitura. Deixarmo-nos envolver.
[1] http://observersroom.designobserver.com/rickpoynor/post/saul-leiter-and-the-typographic-fragment/31878/
lido entre 26 e 30 de Janeiro de 2012.
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