quinta-feira, 8 de novembro de 2012

XX - Walker Evans I

Estou a olhar para umas imagens de Walker Evans, umas polaroids a cores que tirou para o fim da sua carreira. A primeira questão que se coloca ao observar polaroids de um artista não é, com frequência, o que representam, ou o que quis o artista fazer com elas, mas o facto de serem polaroids, imagens automáticas. Ficamos sempre com a impressão de que uma máquina polaroid é daquelas coisas que se usam para fotografar ao calhas e ficar divertido a olhar a imagem a sair logo a seguir.
Então e quando a máquina chega às mãos de um olho treinado como o de Walker Evans?
Se pedirmos um rabisco qualquer num guardanapo ou nas costas de um envelope a um desenhador, certamente, esse desenho será mais, conterá mais do que se fizermos o mesmo pedido a uma mão não treinada. Ser artista também quer dizer isso, treinar, ou ensaiar, se preferirmos uma linguagem das artes de palco até a obra estar suficientemente enraízada em nós para que a possamos apresentar. Esse treino de repetição vai formando, não só a nossa capacidade de repetir essa obra que ensaiamos, como também treina a nossa atenção para outros aspetos de construção que estão vedados a uma atenção menos treinada.
Quando entregamos uma máquina de polaroids, ou qualquer instrumento fotográfico mais simples - vem-me à memória o fantástico I DuBai, com todos os jogos semânticos e as nuances de sentido entre IPhone, Dubai, Do Buy, I do Buy, I Dubai, fotografado com um telemóvel num centro comercial no Dubai - permite uma liberdade de abordagem que deixa sobressair, exactamente, todo esse treino, todo esse poder de observação e essa sensibilidade trabalhada, sem restrições de ordem técnica.

                                












"Nobody should touch a polaroid camera until they're sixty"
Walker Evans

Lembramo-nos da mestria dos últimos desenhos de Matisse, por exemplo, de como tudo parecia surgir na sua forma mais simples, sem restrições.
As polaroids de Evans trazem-nos isso mesmo, um olhar treinado, muito treinado, um espírito atento, liberto de convenções morais ou artísticas, de questões técnicas, podendo dedicar-se exclusivamente ao que o seu olhar capta. É o próprio que diz que é isso mesmo que o fascina, o facto de a máquina ser tão simples que lhe permite concentrar-se apenas em ver.

Apenas ver.

Claro, sabemos que o apenas ver de Walker Evans vem informado de décadas de trabalho fotográfico marcante, de um espírito crítico e atento, instruído, de alguém com uma consciência literária forte - Evans quis ser escritor, e pode dizer-se até, olhando para o seu trabalho sobre a Grande Depressão, que é o escritor que se encontra na fotografia - e é partir de tudo isto que se lança num frenesim criativo aos setenta anos, com a descoberta da espontaneidade que estas polaroids lhe permitem.














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