Carregue a página que
surge no link acima e tente ler. Será difícil, por causa do barulho da rua. É difícil
concentrarmo-nos nalguma coisa com um estímulo tão intenso vindo de outra
direção. Partamos do princípio que se habitua e consegue começar a ler. Terá,
talvez, curiosidade de ver as imagens. Estão na outra janela, a do site do
autor, com o vídeo com o barulho.
O registo deste trabalho tem um tema aparentemente idêntico
a Vende-se,
de Augusto Brázio. É igualmente uma recolha exaustiva de imagens de lojas
abandonadas feitas a partir da montra, sem entrar, mas o que se sente aqui é o
exterior. Se o trabalho de Augusto Brázio tenta mostrar as lojas e chamar a
atenção para um fenómeno, o de Nuno Matos Duarte parece focar a indiferença. Queremos
ver as lojas e vemos a rua. Queremos pensar no interior, no que terá acontecido
aos lojistas, aos seus sonhos, ao que perderam ou ao que mudou mas, ao
contrário de Vende-se, este trabalho não mostra nada. Torna-nos ainda mais
exteriores ao fenómeno ao mostrar, repetidamente, o exterior das lojas
reflectido no seu espaço vazio. Abrimos a página pessoal de Nuno Matos Duarte
e o facto torna-se ainda mais evidente com a adição do som. O som da rua que,
indiferentemente, continua a bulir.
Já deve ter visto
algumas imagens do site e estará de volta, agora, ao texto. Será que ainda tem
o som do vídeo ligado?
Se Augusto Brázio nos mostra o interior de um fenómeno, Nuno
Matos Duarte situa-nos fora dele e, assim, chama-nos a atenção para a nossa
indiferença. O site deste trabalho apresenta um vídeo com o som da rua junto ao
passar das imagens. Ambos nos situam nesse espaço psicológico da indiferença
que vai aumentando com o estímulo. Ernst Heinrich Weber,
um dos pais da psicologia experimental, fala-nos da diferença mínima para que
dois objectos possam ser distinguidos entre si. Diz-nos que em relação ao peso,
por exemplo, esta diferença é de 3%, ou seja, para se distinguir uma diferença
de peso em relação ao um objecto de 100 gramas, ter-se-á de acrescentar ou
subtrair, pelo menos, 3 gramas. Ao colocar-nos declaradamente fora das lojas,
fora da sensação de abandono e mudança a que, por exemplo, o trabalho de
Augusto Brázio alude, Nuno Matos Duarte parece perceber a enormidade de estímulo
que seria necessária para dar conta de algo já tão banal através de um meio tão
presente, também, no dia-a-dia das pessoas. Ao colocar-nos deliberadamente,
ostensivamente fora das lojas que pretende representar, este trabalho fala-nos
da nossa insensibilidade quotidiana. Percebemos, através da confusão que a
sobreposição de vídeo, som, e slideshow de fotografias nos expõem, a incrível
intensidade de estímulo – transformada, inevitavelmente em ruído por não
podermos prestar atenção a tudo – a que estamos submetidos.
No seu site, na página
de abertura, Nuno Matos Duarte diz-nos que urge trazer de volta à imagem uma
dimensão ética; que podemos lutar contra a nuvem de indiferença que a assombra.
Ao lado, surge uma nova imagem do vídeo, com o som correspondente. Caso tenha
ainda a página anterior aberta com o vídeo, terá agora o som de ambas
sobreposto e as imagens a correr, como que ilustrando o som.
Colocar-nos de chofre nesse assombro de indiferença a que
esta confusão de estímulos nos expõe, transforma-se, aqui, numa forma
inteligente de luta, ao apresentar-nos, não ainda outro estímulo a acrescentar
a um mundo em que quase todo o estímulo é já ruído, mas o ruído a que o excesso
de estímulo nos vota.
Ao optar por deixar
todas as referências visuais fora deste espaço, abro espaço para que seja
experienciada ainda mais uma camada de confusão que o excesso de estímulos
oriundo de fontes diferentes nos apresenta e que este trabalho tão
inteligentemente expõe.
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