domingo, 2 de novembro de 2014

Fotografia Portuguesa - Stock Off, Nuno Matos Duarte


Stock Off, Nuno Matos Duarte
 
Carregue a página que surge no link acima e tente ler. Será difícil, por causa do barulho da rua. É difícil concentrarmo-nos nalguma coisa com um estímulo tão intenso vindo de outra direção. Partamos do princípio que se habitua e consegue começar a ler. Terá, talvez, curiosidade de ver as imagens. Estão na outra janela, a do site do autor, com o vídeo com o barulho.

O registo deste trabalho tem um tema aparentemente idêntico a Vende-se, de Augusto Brázio. É igualmente uma recolha exaustiva de imagens de lojas abandonadas feitas a partir da montra, sem entrar, mas o que se sente aqui é o exterior. Se o trabalho de Augusto Brázio tenta mostrar as lojas e chamar a atenção para um fenómeno, o de Nuno Matos Duarte parece focar a indiferença. Queremos ver as lojas e vemos a rua. Queremos pensar no interior, no que terá acontecido aos lojistas, aos seus sonhos, ao que perderam ou ao que mudou mas, ao contrário de Vende-se, este trabalho não mostra nada. Torna-nos ainda mais exteriores ao fenómeno ao mostrar, repetidamente, o exterior das lojas reflectido no seu espaço vazio. Abrimos a página pessoal de Nuno Matos Duarte e o facto torna-se ainda mais evidente com a adição do som. O som da rua que, indiferentemente, continua a bulir.

Já deve ter visto algumas imagens do site e estará de volta, agora, ao texto. Será que ainda tem o som do vídeo ligado?

Se Augusto Brázio nos mostra o interior de um fenómeno, Nuno Matos Duarte situa-nos fora dele e, assim, chama-nos a atenção para a nossa indiferença. O site deste trabalho apresenta um vídeo com o som da rua junto ao passar das imagens. Ambos nos situam nesse espaço psicológico da indiferença que vai aumentando com o estímulo. Ernst Heinrich Weber, um dos pais da psicologia experimental, fala-nos da diferença mínima para que dois objectos possam ser distinguidos entre si. Diz-nos que em relação ao peso, por exemplo, esta diferença é de 3%, ou seja, para se distinguir uma diferença de peso em relação ao um objecto de 100 gramas, ter-se-á de acrescentar ou subtrair, pelo menos, 3 gramas. Ao colocar-nos declaradamente fora das lojas, fora da sensação de abandono e mudança a que, por exemplo, o trabalho de Augusto Brázio alude, Nuno Matos Duarte parece perceber a enormidade de estímulo que seria necessária para dar conta de algo já tão banal através de um meio tão presente, também, no dia-a-dia das pessoas. Ao colocar-nos deliberadamente, ostensivamente fora das lojas que pretende representar, este trabalho fala-nos da nossa insensibilidade quotidiana. Percebemos, através da confusão que a sobreposição de vídeo, som, e slideshow de fotografias nos expõem, a incrível intensidade de estímulo – transformada, inevitavelmente em ruído por não podermos prestar atenção a tudo – a que estamos submetidos.

No seu site, na página de abertura, Nuno Matos Duarte diz-nos que urge trazer de volta à imagem uma dimensão ética; que podemos lutar contra a nuvem de indiferença que a assombra. Ao lado, surge uma nova imagem do vídeo, com o som correspondente. Caso tenha ainda a página anterior aberta com o vídeo, terá agora o som de ambas sobreposto e as imagens a correr, como que ilustrando o som.
Colocar-nos de chofre nesse assombro de indiferença a que esta confusão de estímulos nos expõe, transforma-se, aqui, numa forma inteligente de luta, ao apresentar-nos, não ainda outro estímulo a acrescentar a um mundo em que quase todo o estímulo é já ruído, mas o ruído a que o excesso de estímulo nos vota. 

Ao optar por deixar todas as referências visuais fora deste espaço, abro espaço para que seja experienciada ainda mais uma camada de confusão que o excesso de estímulos oriundo de fontes diferentes nos apresenta e que este trabalho tão inteligentemente expõe.

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