Guido Guidi

Relembro uma visita a uma exposição de Guido Guidi, ainda Garagem Sul do CCB que vale a pena ver, sobre uma obra do arquitecto Carlo Scarpa, um cemitério construído para a família Brion.
patente na
Guidi parece fazer tema do coisas que, aparentemente, não são tema nenhum. A passagem de uma sombra por um recanto de um edifício, por exemplo; como esta ocupa e desocupa o espaço fotografado e nos faz olhar organicamente para ele. Ou o mesmo pormenor fotografado de ângulos ligeiramente diferentes, permitindo-nos ver quando do edifício depende de quem vê e de como se vê.

É essa, a questão que me intriga nesta obra, o facto de tudo no trabalho ser, por um lado, lindíssimo e desconcertante no melhor sentido do que é um trabalho fotográfico e que, ao mesmo tempo, convoca para a fotografia aspectos tão diversos daqueles de apontar e nomear que foram determinando a fotografia ao longo do tempo. Parece querer fazer-nos olhar, mais do que apontar.

O passar do tempo por um local ou as pequenas variações de observação que provocam pequenas variações de percepção. Usar um instrumento - o instrumento? - da objectividade e virá-lo contra essa mesma ideia no sujeito. O que aconteceria a Narciso se, no momento em que observava o seu reflexo, se desse conta da sombra de uma nuvem que passava?

As imagens de Guidi parecem questionar essa emoção narcísica com a monumentalidade, com a noção estática com que projectamos a imagem das coisas, o tal apontar e nomear. Chamam a atenção para a passagem do tempo, para as alterações que essa passagem abre.

Numa época de grande aceleração, de identificação com a rapidez de processos mais do que com o fim a que se destinam, Guido Guidi convida-nos a voltar a olhar. Lembro uma entrevista de Huxley em que este refere que re-spect significa, literalmente, voltar a olhar e trago essa noção para aqui e para o quão dúbias ficam as certezas da objectividade descritiva: quando olhamos novamente, a imagem já não é a mesma.