sábado, 20 de maio de 2017

BaW 1


Cada vez me fascina mais esta coisa do automóvel, de poder sair por uma estrada qualquer e só seguir viagem. De poder ser eu o alimento da minha indulgência.

Lembro-me de sentir um certo aconchego nos barulhos mecânicos; de acordar com o som do secador de cabelo da minha mãe e ficar na cama, satisfeito, a ouvir, ou de adormecer ao som da ventoinha no verão. Não sei porquê, há algo naquilo, naquela monotonia, que me acalma o pensamento. Como se fosse um mantra, um Om mecânico qualquer.

Conduzir nestas estradas vai dar ao mesmo. Há aquele mínimo de atenção necessário para a condução e aquele mínimo de gestos, que vai dando para voltar ao corpo, mais o ar a entrar pela janela aberta e o som do espaço em volta a entrar pelo som do carro e a construir, com o espaço que passa. Qualquer coisa como uma contemplação.

Lembro-me da estrada desde sempre. Lembro-me de dormir no embalo do som do carro nas viagens longas e da paisagem a passar pelas canções que se cantavam.

Lembro-me da equação da matemática existencial do Kundera em A Lentidão, de como a velocidade a que nos deslocamos é directamente proporcional à nossa vontade de esquecimento e abrando ainda mais.

Como algo feito para rasgar pode fazer do tempo da passagem um farol


Sem comentários:

Enviar um comentário